Somos as histórias que contamos para dentro e para fora.
Somos as histórias que aceitamos ser.
Da próxima vez que ouvirem alguém contar a história de família, onde mais de 10 irmãos foram criados para herdarem uma visão, um terreno, uma empresa, perguntem sobre as mulheres dessa linhagem. Pela mulher que pariu 14 vezes. Pelas mulheres a quem foi negado os estudos. Pelas mulheres que foram casadas com parceiros de negócios que tomaram as heranças que eventualmente teriam. Convido-vos a procurarem as histórias suprimidas dos mitos familiares. Convido-vos a mergulhar nesse desconforto. Talvez tenham, em paralelo com o patriarca da família, o lugar da matriarca rígida, amarga, seca e pouco afetiva. Não acredito que as histórias que descubram as desculpem de feridas causadas a partir dos papéis que ocuparam nas famílias que sustentaram, mas pelo menos hão de dar contexto, e uma empatia que as torne mais humanas e próximas de nós. Quando vejo mulheres a falarem das histórias familiares a mencionarem os avôs, os pais, os homens extraordinários que construíram mundos e fundos, eu penso sempre nas mulheres em cima das quais essas vidas se sustiveram, das mulheres que sustentaram os sonhos que não os delas porque a elas não foi permitido. Das mulheres que tiveram que criar as 14 crias que nasceram do corpo delas, das lições amargas a explicar às meninas que não podiam esperar ser iguais aos meninos, das lições ainda mais amargas a explicar às mulheres que não iam onde os homens iam e que tinham de se contentar com o caminho atribuído (talvez sendo mães de mais 14). Convido-vos a pensarem nas histórias das mulheres que não vos foram contadas porque não tinham interesse em ser contadas. Porque não contavam importância. Só esta realidade é dilacerante. Tantas delas nem a escrever e ler foram ensinadas. Por tudo isso convido-vos a procurarem o que ficou por contar e talvez, até, encontrem os pedaços que vos ajudem a curar feridas que não sabem onde começaram.
À vossa memória, Silvina e Senhorinha.
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