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Altares em casa: histórias e desafios.


Primeira crónica da Primavera (entretanto com celebração de Equinócio, Akitu Sumério e 10 meses de coração e fraldas cheios), e quero agradecer à Filipa Urbano (administradora do Coven da Lua e do Sol) que lançou a reflexão desta temática inevitável em casa de qualquer bruxa: cadê o meu altar?
Muitos e muitas de nós descobrem o Paganismo e a Bruxaria algures na adolescência ou na transição para o posto de adulto. Nestas circunstâncias, a norma é, nessa fase de vida, termos um espaço nosso, com relativa privacidade, onde nos apressamos a experimentar círculos, rituais e magia. Ou seja, para muitos de nós, a prática começa no nosso quarto, no primeiro universo pessoal que controlamos.
Uma das necessidades mais naturais de se explorar quando entramos neste caminho é o de erigir um altar nosso, pela nossa mão e vontade.  Varremos, entretanto, imagens na internet e nos livros (hábito que nos vai acompanhar no futuro) com altares, decorações e disposições de rito.
Lemos sobre o assunto, perguntamos a quem partilha connosco o caminho, e vamos experimentando os elementos com os quais compomos esse projecto magnifico que é um acto mágico por si só. Os nossos altares, regra geral, vão mudando com o tempo. Vão acompanhando os nossos gostos, as nossas sensibilidades, as nossas aprendizagens, os nossos interesses e descobertas pessoais e espirituais. Posso dizer-vos que o meu primeiro altar fixo era o maior que consegui arranjar na altura (uma secretária comprida de madeira com gavetas) e nele eu punha..TUDO.
Agora lembro-me do aspecto e rio. Sei que tinha a sorte de ter, na altura, um escritório só usado por mim, onde ano após ano rodava e celebrava os ciclos e a magia de forma solitária. Não era incomodada (mais um luxo). Esses anos adolescentes foram pivotais na minha experiência no Paganismo. Quando saí do secundário vivi 4 anos numa casa com um quarto que partilhava com outra pessoa. Não montei altar nessa casa e essa quebra foi difícil (para mim o meu altar ficou no meu escritório). E agora em retrospectiva essa circunstância pode ter-me disposto a trabalhar em grupo em vez de solitária, o que aconteceu até 2010. Nesse ano, mudei de casa e pela primeira vez voltei a ter altar no meu espaço doméstico! Tinha-o no corredor, confesso, mas porque vivi sozinha nesses abençoados 9 meses. Depois desse período feliz, mudei de casa novamente e voltei a ficar órfã de altar em casa. Mais uma vez investi em trabalho associativo e com o grupo que na altura tinha à disposição. Depois de um ano entrei, finalmente, na casa que seria o meu lar (só tinha lar na minha terrinha, esta realização foi inédita) durante 4 anos. Aí, o meu altar instalou-se na minha mesa de cabeceira onde fomos os dois muito felizes, e onde retomei a minha prática solitária pela primeira vez, em paralelo com a de grupo. Nesses 4 anos conheci e dediquei-me a Inanna. E depois algo extraordinário aconteceu e eu pela primeira vez encontrei alguém com quis viver e mudei-me malas e altar, para o bairro que seria a nossa casa durante quase 2 anos. Aí, também pela primeira vez, o meu altar solitário deixou de ser suficiente. Lembro-me de ter percebido isso, com uma sensação de não encaixar como encaixava. As minhas práticas solitárias também me deixavam esse sabor na boca e questionei-me sobre o motivo por de trás. Pensei que, como a minha realidade tinha transitado de solteira para casal, o meu altar, como espelho da minha alma, precisava de reflectir esta nova vida. Pensei no quão desafiante era estar a viver em casal com alguém que não é pagão, alguém que nunca tinha tido nem um altar nem uma bruxa em casa. Foram reflexões e conversas que ia tendo comigo própria sobre o quão queria descobrir a forma de harmonizar tudo o que compunha a minha vida na altura. Depois de algumas experiências descobri que ter dois altares me permitia conciliar com algum conforto a egrégora da minha casa nova. Tinha um altar só meu, com a minha Senhora, e tinha um altar doméstico que continha elementos importantes para mim e para ele (que foi alinhando na proposta e acredito que hoje já seja uma parte natural da sua/nossa casa). Quando eu digo que um altar é um projecto mágico, estou a falar do exercício emotivo e focado do acto de escolher elementos que nos toquem, que evoquem sensações poderosas de felicidade e completude, inspiração e união, e de os reunir num espaço circunscrito, que vamos mantendo e carregando com as memórias que despertam e com novos elementos que adicionemos. Este é o projecto mágico que faz sentido ter no centro de um lar. Desta forma, ambos usamos e usufruímos do ato mágico, reconhecendo importância e o valor do que estamos a evocar com os elementos que dispomos.
Quando engravidei mudámos novamente de casa e agora temos dois factores que alteram tudo: a bebé e a gataria.
O altar da casa está agora no corredor, decorado com fotos da nossa família (a que vive deste e a que está no outro lado) e ao longo do ano as mudanças dão-se com a decoração com flores, incenso, abóboras, velas, o caldeiro no chão e as eventuais oferendas na altura de Samhain. Este formato de facto funciona. Para nós o mais sagrado é a família e o tom central do nosso altar partilhado é o da união.
De momento, nem gatos nem filhota implicam muito com o altar da casa (uns porque não encontram comida lá em cima, outra porque não anda ainda....). Sei, sabemos, que vai chegar o dia em que o altar vai ter de se tornar mais baby friendly, o que eu considero ser um investimento numa arca com fecho onde possa guardar das mãos pequeninas tudo o que possa ser usado contra elas. Imagino que a altura do Samhain vá ser a de mais cuidados e alerta, mas vou pondo-vos ao corrente nestas aprendizagens que se avizinham.
Mas e o meu altar pessoal?...pois...bebé em casa... o meu último desafio. Quando viemos as duas da maternidade o nosso quarto tornou-se ainda mais nosso e durante alguns meses todo (mas TODO) o espaço disponível era usado para arrumar e encaixar coisas da menina ou para a menina, ou que já não cabiam na menina. O meu roupeiro tornou-se o nosso roupeiro e entre as minhas camisas vivem vestidos dela. Muito do meu material de altar foi arrumado em caixas dentro do dito roupeiro e hoje ainda lá descansa boa parte dele. O meu altar pessoal foi levado para cima de uma cómoda mas a gataria já nos provou que quanto mais alto está o material, mais barulho faz quando o mandam ao chão (o susto às 3 da manhã quando fizeram oferendas voar pelo quarto todo). Portanto, de momento, estou a desenhar a próxima mudança do altar pessoal. Tem que ser à prova de gatos e bebés. Tem que estar perto de mim (até agora, o altar na minha cabeceira foi o que mais gostei de ter), e tem que reflectir a minha vida e circunstâncias actuais: simples, com os elementos essenciais e o resto sou eu que trabalho. Nada de decorações elaboradas (deixo essas para o altar de casa enquanto posso), e os instrumentos guardam-se depois de usados que os parvalhões não dão tréguas quando se põem a fazer sprints pela casa. Aliás, para quem não tem gatos em casa (não há altitude segura destes meninos), montar e manter o altar deve ser mais fácil (confesso que invejo um pouco essa liberdade), mas a nossa casa é esta e é esta a nossa família.
Pela minha experiência pessoal, o altar é um projecto poderoso e que aconselho a todos os que o possam criar. Sempre que precisei de trabalhar ritos ou magia, a comunicação com as pessoas em casa (sejam conjugues ou roomies), é essencial e algumas práticas são mais fáceis na solidão da casa (como limpezas energéticas e purificações). O altar da casa tem outro poder acrescido, o de permitir que a sacralidade e a magia percorram cada canto da casa impregnando-a com essa sensação de protecção e familiaridade. De facto, quando comecei a formar família (ainda antes da menina nascer), a minha intuição sensibilizou-me para o poder da magia de um trabalho doméstico (como um altar) que beneficia de forma natural uma casa que vibra à volta do valor e do projecto da união. Hoje quando olho para o nosso altar partilhado é isso mesmo que sinto. Se qualquer outra pessoa que o veja vai saber do que se trata? Depende do que saiba sobre nós antes de entrar na nossa casa. Para um olho distraído, trata-se de uma mesa, no corredor, com fotos no topo e uma caixa com uns incensos e um peluche tigre em cima. Para os mais atentos, há um caldeiro aos pés da mesa. Por estar num local de passagem e fora da vista da sala, provavelmente não se dá muito por ele. Mas se o altar não der a dica da bruxa que mora cá em casa, pode ser que a vassoura pendurada atrás da porta, cheia de ervas lavanda e alecrim, sirva de pista (ui o que esta vassoura sofre nas patas dos gatos...).
Acredito que o Paganismo nos sirva a nós e que nada nos obriga ou julga nas escolhas que fazemos com os recursos que temos quando a vontade é a melhor. E porque sei que este tema é caro em especial às pessoas que partilham casa, tanto com familiares (seja no estatuto de filhos ou de pais), como com companheiros de casa, posso afirmar com segurança, que o que for feito com empenho e amor, com empenho e amor será retribuído.

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