As expectativas de uma boa bruxa.



Insanas.
Podia ficar-me por aqui, mas vou desenvolver.
Ter uma vida mágica plena, fluindo com o universo, recebendo bênçãos pelo seu bom trabalho. Observar os festivais religiosamente, comungar com a natureza, encontrar pedras com formato de coração e publicar CADA UM DESTES MOMENTOS numa rede social.
Podia substituir bruxa por pagã, e as expectativas eram  as mesmas até porque há muito boa gente que acha que toda a pagã é bruxa...e não tem de ser, pessoal. Juro.
Mas voltemos às bruxas. Saber sempre a erva certa, o cristal certo, a essência certa. Saber fazer os seus próprios incensos, velas aromáticas e caldos knorr. Ter sempre a sabedoria ancestral na ponta da língua. E saber aquele feitiço. Saber ver a Aura e a Aurea. Saber as vidas passadas que teve e a saber que as hão-de vir. Fazer oráculos. Vários. Mas pelo menos tarot. Tarot é importante (sou só eu a achar esquisito que ao contrário se leia tora[t]? Mais ninguém?). Ler borras de café também conta, mas só se for em cafeteira de quinta geração. Girar o pêndulo e o astrolábio para saber quem anda retrógado no céu e quem está em conjunção pelo sistema solar e além. Tatuar palavras numa língua morta. Ler enciclopédias antigas e todos os livros de referência (os que já foram escritos há décadas e os que ainda estão no prelo). Invocar a monção com um tambor xamânico. QUEIMAR SÁLVIA!
Atenção, adoro seguir estas bruxas online e inspirar-me nos cenários que nos apresentam. Eu adoro estudar pessoas e narrativas religiosas e espirituais, e quando são de uma grande riqueza de elementos, toda eu me regozijo. Mas volto ao caldeirão que deixei ao lume, a expectativa de se viver para cada uma destas actividades E ter-se uma vida profissional paralela, E ter-se uma família E ter-se compromissos de grupos é muitas vezes...frustrante. Não porque não sejam actividades que enriqueçam a nossa vida desenvolvendo sentidos que nos expandem o conhecimento de nós e do mundo, mas porque exercer o malabarismo de trabalhar 8 horas por dia, chegar a casa e ter rotinas com criança, jantares e almoços para orientar, compras eventuais, organização de sapatos e meias (nem vou falar de tampas de tuperware), máquinas de roupa e estendais, aquela loiça, manutenção de felinos, agendar calendários com mais 3 pessoas, é constatar sempre em algum ponto do dia um "Xi... Já não dá para fazer isto hoje. Vai ter de ficar para amanhã". 
E aqui vem a  pressão: a bruxa trabalha com o padrão. Trabalhando o micro cosmos, no macro cosmos as repercussões manifestam-se. Ora se a vida que se leva te aproxima mais do caos em esforço do que da ordem segura, a tendência será observar o ritmo interno e perceber o que está a falhar porque, pelo que tu vês à tua volta, TODAS as outras bruxas conseguem fazê-lo.
E aqui vai a revelação. Não, não vemos. Os olhos são o engano do coração. Sempre foram. Vou aproveitar esta frase e vendê-la bordada em sacos de organza carregados com pedras de ónix.
Este texto serve um propósito nobre, dissuadir o pensamento tentador de quem se pressiona com expectativas extraordinárias. A expectativa não é um bom lobo de se alimentar. E como tudo é volátil como a lua, cada um de nós tem momentos mais seguros e mais ansiosos, e normalmente, nesses segundos, a expectativa crava um ferrão desmaiado de frustração e falhanço. 
O título tem a solução deste problema: não sejamos boas, sejamos menos boas, mais ou menos, más ou péssimas, mas sejamos bruxas.
Sejamos bruxas com roupa por passar a ferro, sejamos bruxas que nos esquecemos do dia da lua cheia, sejamos bruxas que não nos lembramos do nome daquele cristal, sejamos bruxas que não lançam um feitiço há p'ra cima de 2 meses (ou 3, ou 6, os que quisermos), sejamos bruxas que perderam de vista o último baralho de tarot que usaram em casa, sejamos bruxas que saíram do circulo várias vezes por se esquecerem das oferendas em rito, sejamos as bruxas que realmente somos: humanas e imperfeitamente belas.
Lembro-me, ainda sem ter a minha família, de sentir esta pressão de ter de fazer, estar e aparecer no universo online como uma bruxa profícua, conhecedora e sábia. Nisto, passaram-se anos e agora sabiamente pratico o ancestral "que se lixe". Que se lixe essa pressão. Que se lixem as expectativas de ser vista como uma boa bruxa, como uma boa pagã, como uma boa qualquer coisa. Importa-me ser o melhor que consigo e isso basta-me. Importa-me permitir às pessoas à minha volta que entendam que podem fazer o mesmo que ninguém as julgará tanto como as próprias. Importa-me fazer parte da equipa que se ri quando tudo o resto se leva muito a sério (eu às vezes levo-me muito a sério e devia rir-me mais vezes nessas alturas....mas tenho um marido ateu que se esforça por colmatar essa falha).
Imperfeitamente belas, caóticas, ordenadas, senhoras da magia extraordinária de se irmanarem a forças e a pessoas que as expandem por dentro e por fora. Assim são as bruxas. Não há bom nem mau. Sejamos. E que assim seja.








1 comentário:

  1. Assim seja(mos) isso, minha filha linda, bruxa e pagã, belas e imperfeitas!!! Que se lixe o julgamento interno e externo! Que se lixe as expectativas internas e externas!!! Como dizia a canção, o que eu quero mesmo é ser feliz e rir.. rir muito!! E como as tuas gargalhadas são infinitamente profundas e graciosas!! Amo-te!! Bêjo..

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