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Carta deste Solstício de Verão à minha Filha:

Meu amor bom, este Solstício foi passado a correr. Ainda mais tendo sido dia de vacinas para ti. Mas, ainda que tenham sido picadas meio à traição, os beijinhos, colo e mama sempre consolaram esse beicinho.
O Sol chegou ao seu apogeu e tu, ao teu ritmo maravilhoso, tornas-te cada dia mais tua, mais menina, mais senhora do teu nariz. Nesta estação, eu e o Papá queremos dar-te a experiência da praia, da areia e do mar, do cheiro da sardinha, do vento na serra e no moinho, do bailarico, do pão e dos pés (teus) em todo o lado! Agora que o poder do sol reina, a natureza caminha para as colheitas e nós tencionamos colher da nossa família cada polaroid e palhaçada disponível. A gataria já está em modo veraneio e a busca pelos espaços frescos para bater sestas subiu de nível (e de pêlo...muito pêlo pela casa). Até tu, meu amor, já representas toda uma nova presença nesta casa, perseguindo as duas caudas incautas que dormem pelos cantos e que fogem ao primeiro (e inesperado) puxão dessas mãozinhas. Espera-te também, fruta nova no menu. O Papá vai dar-te morangos no terraço dos bisavós e a Mamã vai apanhar figos contigo. Vais ouvir muitas histórias ( para além do "Onde está o Bolinha?") e roer tudo o que conseguires. ELO e Beatles, Joni Mitchel e Joan Baez estarão entre muitos outros na tua banda sonora. Vais ver flores, cheirar lavanda e alecrim, apanhar pétalas de rosa e tentar comê-las. Vais ver o primo, os primos, as primas, a tia, o tio, os avós, e dormir sestas sempre que possível (!!!). Este verão é nosso para viver e acrescentar no livro das nossas vidas contigo. Sob a bênção de Utu, de Lugh, da luz que nos céus reina e a terra coroa, somos nós abençoados com os teu olhos brilhantes e o teu sorriso de aurora.

Feliz Verão para ti e para nós meu amor*

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As Brumas de Avalon foram o portal para o Paganismo para muita gente. Mais, arrisco, toda uma geração. Sejam os livros ou os filmes (não vou discutir preferência até porque exaltaram públicos diferentes).
Isto significa que, para a maioria destas pessoas, conhecer o Paganismo se deu em simultâneo aquando conheceram a Deusa, ou seja, quando perceberam um sagrado feminino pertencente ao universo religioso com legitimidade na Europa. Sim, a Europa não começa na Roma Cristianizada, nem a sua cultura nem a sua profundidade espiritual e religiosa.
Compreender o lugar de um sagrado feminino no ocidente tem consequências. Aponto duas: polarização da manifestação divina numa dinâmica que se complementa em vez de se antagonizar (Deusa e Deus, noite e dia, luz e escuridão, etc.); a legitimidade em reconhecer uma manifestação no padrão feminino que pode celebrar o que o faz distinto do masculino (em vez de o esgotar em ideais de virgem, mãe sofredora e viúva num organismo que se dirige exclusivamente a um divino masculino por uma casta exclusivamente de sacerdotes homens). E já que estou numa de riscos, arrisco uma terceira consequência: a percepção da herança do continente europeu como terra fértil em mitos, panteões e entidades (entre as quais Deusas) que não só nos ajudam a sentir esta terra de forma diferente como também nos ajudam a perceber a história da religião, política e cultura deste ocidente e como foram jogadas as cartas no passado que resultam no nosso presente.
Mais um risco: se é verdade que muitos de nós fomos tocados pela libertação deste conhecimento, também é verdade que do outro lado essa atenção e interesse se fez sentir. Como vemos, também somos vistos, como conhecemos também somos conhecidos. E de facto, desde o lançamento e adaptações (várias!) das obras originais da Marion Zimmer Bradley, um furacão alastrou pelas encostas de gerações levando-as até às mãos de um passado novo, cheio de possibilidades e trabalho de estudo. No meu caso, não tendo sido a obra desta autora no particular, foi uma outra obra que me despertou para esta condição de mulher/poder, Vale de Mulher de seu nome. Curiosamente escrita por um homem. Um grande bem haja para você, Xosé A. Neira Cruz! Este livro foi-me dado quando fiz 15 anos, pela minha mãe. Era Janeiro. Nesse mesmo ano em Maio, chegou às minhas mãos (porque um amigo o tinha comprado por engano), o livro Manual Completo de Magia Branca para Adolescentes da Silver Raven Wolf. Foram estes livros, em especial o primeiro, que me deram o tom de entrada no universo do sagrado feminino, e nessa ansiedade que é encontrar as mulheres sabedoria que enquanto ancestrais e irmãs de caminho nos inspiram e orientam na edificação da nossa identidade e na construção da nossa vida enquanto memória do passado e enquanto esperança no futuro. Nós somos com elas. Elas são connosco.
Mães que se devotam a uma Deusa Mãe, anciãs que procuram uma Deusa Invernosa e Sábia, jovens que se revêem numa Deusa Donzela, e todas que celebram da primitiva força da criação, daquela que cria e recria vida, o amor e a morte. Curandeiras, benzedeiras, virtuosas, meigas, magas, bruxas...avós, mães, filhas e netas. Acordámos um poder de linhagem antigo e por todo o lado estas memórias surgem no nosso caminho, para que as recordemos, para que lhes voltemos a dar carne, voz e intenção. Somos deste movimento. Do movimento que olha para o feminino e procura a conciliação e o poder. Que os há.
Esta minha reflexão tornou-se-me urgente e imperativa em palavras depois da minha participação na Conferência da Deusa no mês passado (17,18 e 19 de Maio), em Sintra.
O desejo de amor e sororidade eram palpáveis e as magas cerimonialistas que conduziram este festival foram exímias em proporcionar-nos oportunidades para mergulharmos e sermos inundadas nessa irmandade feminina. Parabéns a estas Sacerdotisas. Parabéns ao Templo da Deusa do Jardim das Hespérides por acolher este projeto e o concretizar em Portugal.
Depois do primeiro episódio do Akelarre (vide e ouvi aqui), muitas foram as pessoas que comentaram connosco as Brumas de Avalon enquanto referência no início do caminho para o Paganismo. E depois da viagem que foi esta conferência, muita coisa se colou em sentido. Deixo-vos com esta imagem: mulheres em círculo, confiantes, sem medo, reverentes, orgulhosas, de mãos dadas, a cantar a uma força semelhante e ao mesmo tempo transcendente em espírito, muitas descalças, girando na terra, rodeadas de verde no meio de dois altares. Esta imagem para mim, em muitos níveis, é um grito de liberdade.
E que bela imagem. E que belos dias. E que belas mulheres chegámos e mais belas nos tornámos neste processo de conhecimento e descoberta do que nos faz "nós" enquanto seres humanos e sagrados.

Uma última palavra de gratidão à Joana Martins (E-An.Ki - Templo Sumério de Inanna) e à Alexia Moon (Sob o Luar e Iseum do Caminho da Terra) que comigo formaram a Irmandade da Resistência nestes dias da Conferência! Ao Tiago Loureiro (Axis Mundii), nosso irmão na Conferência e no Akelarre. E claro, ao Papá ateu que ficou com a filhota durante dois dias (tudo começa convosco).


Mais sobre:

Herança de Marion Zimmer Bradley enquanto autora
https://pt.wikipedia.org/wiki/Marion_Zimmer_Bradley

1ª Conferência da Deusa em Portugal
https://pt-br.facebook.com/conferenciadeusaportugal/

Jardim das Hespérides
https://marialuizafrazao.wixsite.com/luizafrazao

Akelarre
https://www.facebook.com/AkelarrePodcast/

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