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Chegámos ao tempo do Imbolc, da Candelária, das Candeias, o tempo das bênçãos do leite e da luz suave do sol que vai conquistando mais dia a cada dia que passa.
Para a minha filha, a bênção do leite é-lhe quotidiana desde que nasceu e por muito que me tenha custado, que custou habituar-me à amamentação, esta é, de facto, uma bênção tremenda. Não só porque é uma dose constante de defesa naturais mas, porque sendo uma fonte contínua de alimentação, é prática e muito cómoda.
E de facto, a cria está a crescer de forma linda: grande, pesada e bem disposta.
Neste primeiro degelo do Inverno, vou marcar na minha cozinha esta celebração: arroz doce.
Receita da minha avó, e o arroz mais cobiçado na minha família. Eu prefiro quente e sem canela.
Além da iguaria, este ano vai ser feito um arranjo simples decorativo alusivo à época e para a menina vamos fazer uma ovelha lanzuda. O arranjo vai ser concretizado num copo de vidro decorado com sal fino (como quem tem neve num copo), ao qual eu vou acrescentar ervas e folhas (como quem rompeu a neve e floresce do gelo) com uma vela de chá no centro (qual piqueno sol que brilha no meio da neve). A ovelha lanzuda vai ser a primeira ovelha do degelo da minha filha e tenciono ir compondo um rebanho até à adolescência dela (altura em que ela vai querer que eu arrume as ovelhas noutro sítio).
Mas falemos do arroz doce à moda da família. Ora então, liguei à minha avó para pedir a receita e ela deu-me estas direcções:

"Oh filha, faz assim:  2l leite, 250g arroz, 250g açúc..."
"Não é nada disso mulher, a tua avó é tonta, vá, aponta aí filha, só precisas de fazer metade da receita: 1l de leite, 125g arroz e 125g açúcar. Pronto, depois fazes assim: pões o arroz no tacho com meio litro água, e deixas ferver, tens que deixar a água evaporar quase toda até o arroz ficar assim meio cozido, depois tens de pôr as lascas da casca do limão e vais pondo o leite à concha, mas o leite tem que estar quente para cozer o arroz o mais depressa, e depois quando tiver cozido é só juntar o açúcar. Mas tens de esperar que fique frio para depois pores a canela!"
"Eu gosto sem canela, avô."

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Actividades Pagãs em família - Imbolc

Ovelha Lanzuda - Crafts

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Do pessoal para o colectivo, muitos de nós temos práticas e ideias próprias sobre o que fazemos e como dialogamos com o mundo à nossa volta. Enquanto Pagã, este diálogo é pautado pela relação com os ciclos naturais e como a construo no dia a dia. Pequenas coisas que procuro e que me fazem feliz, como saber que estou a saborear fruta da época, acompanhar a mudança da lua, ver o sol a pôr-se com a minha filha ao colo, ver os gatos a dormir ao sol, aconchegar a menina na cama com as mantas da nossa família.. Cada um destes gestos tem uma sabedoria de raiz, que eu procuro honrar e nutrir-me com.
E assim é também com as minhas práticas rituais, onde imbuo cada movimento, cada palavra, cada intenção, de tudo o que sou e me faz presente. Na verdade, é nessas alturas em que me sinto do tamanho do universo, ao mesmo tempo que a presença do divino me faz sentir um átomo num organismo vivo chamado Criação.
Eu enquadro as minhas práticas num trabalho de Templo, e é verdade que tenho o privilégio de ter quem me acompanhe, se dedique e celebre comigo. 
A Tradição a que sou devota é a da Suméria, com Inanna (sempre Inanna).
A tradição Suméria é originária da região hoje conhecida como Iraque e Kuwait, a terra entre os rios Tigre e Eufrates. Em termos históricos, a civilização Suméria apresenta indícios que datam a pelo menos 4500 anos AEC, ou seja, há 6500 anos que temos registos desta cultura de cabeças pretas (assim se denominavam os sumérios) localizada no Crescente Fértil da Mesopotâmia.
E hoje, em Portugal, na ponta ocidental da Europa, temos um Templo dedicado aos Anunna (família divina a que pertenciam os Deuses) da Suméria. 
A Suméria identificava duas estações ao longo do seu ciclo das colheitas: a estação das chuvas e a estação da seca.
Portugal é abençoado com quatro estações que variam de intensidade mas que na prática identificam uma antecâmara sazonal para cada uma das estações mais rigorosas: a Primavera antes do Verão e o Outono antes do Inverno. Esta dinâmica permite ver a fluidez dos ciclos ao ritmo das mudanças nos ventos, no calor, no frio, na humidade, na secura, nas chuvas... E temos um país de beleza incomparável onde cada uma destas características se vai manifestar.
Sou sempre convidada a reflectir sobre esta relação entre a terra e o culto.
Os Anunna nasceram na Mesopotâmia e eu presto-lhes culto na ocidental Lusitânia.
Os Anunna foram honrados na Suméria, e nós erguemos-Lhes um Templo na Ibéria.
Não sinto conflito. Não sinto confusão.
Sinto que trabalho acompanhada e que no tempo sem tempo e no espaço sem espaço que é o rito, todas as distâncias se anulam, todas as eras se tornam a mesma no aqui e agora.
Paralelamente a este fenómeno, acontece que a terra debaixo dos meus pés e o céu acima de mim, cantam de uma forma única e constante, que me lembra que pertenço a gerações anteriores que se alimentaram, viveram e repousaram sob este solo. E assim, canta nas minhas veias esse cântico telúrico que me sintoniza com as quatro estações lusitanas. E eu honro-o. E honro os meus antepassados com ele. 
E enquanto o meu corpo me faz celebrar esta terra, e o meu espírito me faz celebrar nos céus intemporais, o caminho que faço vai construindo uma tradição única, e eu com os pés no ocidente e a cabeça a oriente, danço perante as mesmas forças sabendo que a Criação é una ainda que os nomes seja infinitos.


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E-An.Ki Templo Sumério de Inanna


História da Suméria

Literatura Suméria

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Uma das pessoas que mais me influenciou na minha entrada na vida adulta, foi esta pessoa.
Eu alugava um quarto sozinha, pela primeira vez, e trabalhava numa empresa de babysitting e eventos.
Aquela casa foi o meu porto seguro e a primeira casa onde quis criar raízes e memórias felizes. Foi num movimento continuo, o sair de uma relação e entrar naquela casa como pessoa autónoma que se conseguia sustentar. Lembro-me de dar graças às pequenas coisas que tinha conquistado: ter um sítio para dormir, a minha privacidade, tinha um passe que me permitia locomover por toda a cidade, tinha comida e roupa que me mantinha quente, seca e confortável. Rezava esta lista em muitas viagens de autocarro que fazia para e do trabalho.
Nesta casa, fui muito , mas mesmo muito, feliz.
E quando senti que não podia pedir mais nada ao universo, eis que chega esta moça, de sorriso fácil e olhos claros, que entra na casa e vai ocupar para sempre um lugar no sofá da minha vida.
Conhecemo-nos porque ela, com o seu diploma em enfermagem acabado de sair, tinha vindo para a cidade à procura de trabalho, que tinha encontrado, naquela rua onde eu morava, e assim, por um amigo muito especial, fomos postas em contacto e eu apaixonei me por aquela pessoa linda assim que a vi. Pensei para mim "que boa pessoa para partilhar casa", mas nem previa o quanto de verdade tinha esta antevisão.
Tornámo-nos cúmplices muito rapidamente. Na cozinha, nas compras, nas horas na companhia do Heitor e da Natália (dois sofás de padrão que faziam pandan com os cortinados da nossa sala), nas horas a preparar o Halloween no meio das decorações e dos doces. Horas de riso de ventilador ligado enquanto víamos youtube, terapia com o Luca naquele episódio do Game of Thrones, bolos e tostas com a Suzete.
Falávamos de Religião, de bolos com recheio e histórias. Eu adorava as partilhas que fazia da casa dela e tenho para mim que a mãe dela é uma pessoa maravilhosa meio mulher meio fada da terra, para quem nada de desperdiça e tudo pode e deve ser devolvido à terra, porque é nossa para cuidar. Nunca a conheci mas ensinou-me muito, e olhando para a filha, o ser humano que criou, diria que a ensinou muito bem também. Eu ser Pagã nunca foi um problema para ela, enquanto Cristã. Encontrávamos no meio das nossas crenças para debater e desconstruir. Ela fez-me acreditar no diálogo inter-religioso quotidiano porque o fez possível comigo.
Eram tempos tão felizes.
Éramos confidentes dos nossos dramas e mesmo quando juntei mais um à festa, fomos inseparáveis.
Tudo era uma aventura, em especial quando levávamos o carrinho ao supermercado ou varríamos o centro comercial à procura de óculos de sol.
Por todo o carinho que lhe tenho, só se entende que tenha deixado este santuário seguro quando encontrei o homem da minha vida e pela primeira vez me mudei para viver com ele. Nessa mudança, um novo ciclo de vida instalou-se e tudo se desenrolou para eu hoje tivesse a minha filha de 8 meses, dois gatos e uma casa feliz.
Mas por tudo o que foi e representou, aquele laço com a minha amiga, por mais tempo que passe sem nos vermos, o seu lugar na minha vida vai ser sempre num sofá com padrão com um balde de pipocas ao colo, o ventilador ligado e aquele sorriso luminoso.





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Gatos em casa. 
Para ser precisa, dois gatos em casa.
Ainda não têm um ano.
Apanhei-os na rua, pouco depois do Equinócio de Outono.
A vós me confesso: sou gatólica. Vivo com gatos desde sempre, mas ir estudar para fora, fez com que interrompesse essa minha vivência familiar. E eu, como resultado, ressacava gatos. Ressacava detectando gatos à distância. Ressacava sonhando com gatos durante noites a fio. Ressacava aproveitando T.O.D.A a oportunidade que tinha de estar com um felino na mão. Anos nisto. 
Quando finalmente encontrei a relação certa e a casa certa para ter gatos, e o universo se alinhou para que uma amiga pedisse adopções para uma ninhada, nós, eu e ele, fomos conhecer os bichanos na perspectiva de adoptar um. Escolhemos dois. O Stevie e a Nicks. (sim, Fleetwood Mac. Tusk, no particular). Marcámos um dia, depois das férias de Verão, para irmos buscar os dois que ainda eram pequeninos. Preparámos a casa, o material, e eu em êxtase, finalmente, Gatos em casa! A minha vida estava completa. O dia em que acabámos as férias e começávamos uma nova vida em família tinha chegado e eu só tinha uma última coisa para fazer. Que fiz. De manhã. E de manhã fui ter com ele para lhe dizer: vamos ter um bebé.
...
Alegria, pânico e gratidão.
....

-Vamos ter de ligar à Maria para lhe dizer que já não vamos buscar os gatos.
- ...Sim.. pode ser que dê para os ir buscar mais tarde...

Claro que havia um teste pelo meio que desaconselhava brutalmente ou não a exposição a uma vida doméstica com gatos (que eu falhei....20 anos de vida com gatos e não sou imune àquela treta). Mas entretanto a vida deu-se com uma mudança de casa a 47 km de distância e um abençoado nascimento com 40 semanas e três dias. E deu-se a plenitude da existência. Tudo encaixado até não cabermos mais na nossa bolha perfeita. E os sonhos noites a fio voltaram. Gatos ao colo, gatos a correr, gatos a dormir. A família estava completa e a minha moldura familiar mental insistia que faltavam patas e bigodes em casa.
Vivendo numa terra pequenina, eu esperava a ocasião certa para recolher a eventualidade de um gato à procura de casa. Quase todos os gatos da minha infância tinham-nos chegado nessa condição. E assim, eu esperei.
E ouvi, num domingo ao almoço, um miado desalmado inconfundível. E saí de casa, corri o bairro, e encontrei os dois gatos bebés que procurava.
O Zappa e a Tina entraram em casa tímidos e com sede. Tinham três semanas. Hoje estão grandes e lustrosos. E dormem como lhes compete. Ou aterrorizam as decorações de inverno. 
O que me faltava perceber, é que a minha ânsia de ter gatos não se tornou mais forte porque me faltava um gato na família, mas sim, que me faltava ver o sorriso e a alegria pura na minha filha quando contemplou os gatos pela primeira vez. Aí, eu percebi. Faltava dar-lhe esta peça de infância feliz, a ela.
Penso nesta descoberta algumas vezes. Sobretudo quando eles se lembram de fazer sprints pela casa enquanto a menina dorme, ou quando trepam até ao varão antes de nós chegarmos perto para os exorcizar  dos cortinados.

Parvalhões.


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Vivo numa terrinha que me permite o luxo de ir ao mercado, cheirar a abóbora talhada e vendida às fatias, a fruta, os queijos, os enchidos e ainda me dão raminhos de salsa e coentros no final da compra.
Um luxo a 20 passos de casa.
Valorizo muito este tipo de negócio, tanto por ser local e estimular os produtores pequenos, como pelo abençoado facto de diminuir drasticamente nos plásticos quando compro legumes (sim, acabaram-se as cuvetes que levam 2 courgettes embaladas em papel aderente).
Sei que é honestamente mais cómodo comprar, na mesma viagem, o papel higiénico e as tangerinas, mas, é um esforço que para mim é importante.
Mais ainda quando, o sabor da sopa que a minha filha come é de facto melhor quando a batatinha doce foi comprada à senhora que fica logo à entrada do mercado.
Este hábito só se reveste de mais significado quando acrescentamos o facto de, há um mês, ter aberto um hipermercado ao lado do mercado municipal. E eu sou pela resistência. E pelas pêras deliciosas que compro à senhora que fica logo à entrada do mercado.

Outra alternativa ao flagelo do plástico são as iniciativas de distribuição de cabazes de fruta e legumes à porta. Há várias iniciativas espalhadas pelo Portugal das hortaliças e pomares e todas elas com as vantagens que enumerei acima.

Partilho aqui um bom artigo (talvez o melhor título de sempre) sobre este universo nutritivo e sustentável:

https://observador.pt/2016/09/11/tudo-bons-cabazes-de-frutas-e-legumes-do-campo-para-a-cidade/#comment-post-1673042-2169727
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Quem observa a Roda do Ano, normalmente considera o ponto de viragem da Roda na altura do Samhain (finais de Outubro ou na lua cheia mais próxima desta data), o que nos leva a a passagem do ano gregoriano como um protocolo civil.
No entanto, a maioria de nós trabalha na sua arte e a nossa sensibilidade natural diz nos que esta altura é frenética do ponto de vista energético de escala mundial. Sem agravo nenhum, e mais uma vez olhando para o macro, a leitura de nos livramos do ano velho que finda e nos renovarmos para o ano novo que começa é um gesto com poder e sentido e, além disso, encaixa com o contexto natural à nossa volta. Estamos no Inverno, e este é o ponto de viragem. Os Romanos tinham Janus como o porteiro do ano, com uma cara virada para o ano que passava e outra cara virada para o ano que começava (a sequência festiva em termos de calendário era esta depois da Saturnália).
Eu gosto de celebrar a passagem do ano, além da passagem da Roda. Gosto de estar com pessoas que me querem bem e a quem quero, de comer passas e reclamar o primeiro beijo do ano.
Este ano, o primeiro em família, foi em casa (sim, mais actividades anfitriãs e o tetris constante praticado no frigorífico) com amigos e a família próxima.
A minha filha acordou às 23:20 para se despedir do ano em que nasceu e passou a meia noite a dormir com a fralda trocada e o babygrow azul bebé (a madrinha adiantou-se aqui).
Tendo em conta que esta ocasião nos levou a acolher os convivas, os meus rituais de passagem de ano passaram por limpar a casa e "limpar a casa". A primeira com o aspirador a segunda com luz. Nos quartos, altar e entrada, foram acesas velas e pronunciadas as intenções: protecção, bênçãos e bem-estar. Estes pedidos são feitos a quem nos queremos sintonizar: Deuses e ancestrais. 
Assim, a casa encheu-se de luz, de entes queridos e comida. E mais uma vez, o frio da noite de Inverno foi afastado pelo calor de um feliz encontro que foi capaz de mandar embora um ciclo anual e recomeçar outro. 
Outro ritual que é praticado cá em casa é o da música. A primeira musica que ouvimos depois da noite da passagem. Já sem o frenesim dos brindes e a pressa das passas, normalmente escolhemos uma musica alegre  que nos faça arrancar para o novo ano com esperança.
Por isso partilho convosco o tema que arrancou o nosso ano com um sorriso:



 2018 foi um ano maravilhoso e poderoso, transformou-me em mãe e fez me aprender a viver do zero. Com um fim de ano como este, só posso esperar mais de 2019 e abraçá-lo com coragem e em família.

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Deus Janus (Roma)

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