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Chegados à época festiva, para mais, o primeiro Inverno da minha filha, e o contexto cultural vai-se fazendo sentir.
É Natal.
Feliz Natal
Santo Natal.
Todas as músicas de Natal.
E eventualmente....começamos a ranger os dentes...
E a resmungar para dentro...
E a sentir uma vontade grande de ouvir Jethro Tull... Damh the Bard... Lorenna Mckennit...
E somos inundados com todas as imagens de anjos, bebés em manjedouras, reis magos com presentes de última hora (a sério Belchior, mirra?), enquanto tentamos seleccionar velas, renas sóbrias,  azevinho perene e flocos de neve que se pendurem à porta. 

O que significa ser-se pagão nesta altura?
O que muda e como?
Convido todos os pagãos que têm dificuldades nesta altura a observarem o macro do fenómeno: o Inverno chega e a terra comporta-se de acordo, virada para dentro, reservando a vida na profundidade das raízes ao abrigo dos ventos e chuvas frias. 
As narrativas desta altura constroem-se em cima do centro do lar: a lareira, esse símbolo de luz, conforto, alimento e segurança.
O fenómeno astronómico que se dá nesta época é o Solstício de Inverno. Este fenómeno vai ser observado por inúmeras tradições pagãs tais como o Yule e a Saturnália.
Pelo universo politeísta antigo, este padrão vai encontrar-se e desenhar uma celebração alargada pela chegada do Inverno, preenchida depois, em cada uma das tradições, com os seus personagens específicos.
No nosso ocidente, os elementos que marcam a chegada do Inverno são ilustrados em cenários de fauna e flora (renas na floresta de pinheiros coberta de neve) ou cenários domésticos centrados num foco de luz (seja uma lareira, uma árvore enfeitada de luzes, uma mesa iluminada e recheada de comida, velas, etc.). Estes são os elementos que fazem sentido nos nossos exercícios de sintonia com a época e que nos estão acessíveis para além de qualquer propriedade religiosa.

Pai de barbas brancas ou só um senhor com um saco que entra nas casas com crianças?

E entramos no reinado do Pai Natal. Pessoalmente, não vejo problema em olhar para o Pai Natal e identificá-lo como a entidade que representa o próprio Inverno (barbas brancas de neve, vestido com várias camadas de roupa polar por causa do frio) ou mesmo o próprio ano que morre/acaba. A lenda do Rei Carvalho e do Rei Azevinho, que se batalham a cada Solstício ganhando o Azevinho no Verão e o Carvalho no Inverno é também uma mitologia bonita de se integrar nesta altura. Há ainda espaço para o associar com as tradições nórdicas de Odin (que frequentemente se mascarava e visitava quem lhe abria a porta, recompensando os humildes e generosos e castigando quem não era hospitaleiro). Sou também fã da Santa Befana porque, não só me lembra da melhor que se come no Rossio como ecoa nas tradições italianas como folclore resistente: a senhora que viaja na noite de 6 de Janeiro deixando carvão nos sapatos de quem se portou mal  deixando doces nos sapatos de quem se portou bem. Além disso, ela viaja numa vassoura...sim...com este nível de óbvio. 

As árvens.

A árvore de natal é outro tópico incontornável da quadra. É uma árvore? É. Tem a ver com o Natal?... Mais ou menos....?
A construção da cultura natalícia foi conseguida com uma serie de sincretismos entre elementos interculturais e interreligiosos. Surpresos? Não deviam... Não há menção nenhuma de uma árvore da natividade nas escrituras... Mas, em termos de macro, mais uma vez, trazer uma representação da natureza que resiste durante o Inverno (o pinheiro é de folha perene) e cobri-la de luzes e enfeites (carregada de luz e brilho para atrair a luz do pequeno sol que renasce) é um gesto cheio de simbolismo e sentido para qualquer pessoa que tem os ciclos naturais como a referência maior de transcendência e sacralidade. A nossa árvore enfeitada tem adereços enviados pela minha mãe, uma foto da minha filha, e um boneco de barbas no seu topo. Há uma boneca Befana a pairar acima da árvore com um ar simpático agarrada à sua vassoura.

Consoadas felizes.

Jantar com as famílias, normalmente com elementos religiosos explicitamente conjugados nas festividades, e mais uma vez observamos o macro: é um festival que convida ao convívio saudável e à presença de familiares numa ocasião feliz. Independentemente das crenças e de quem as carrega, este é um momento de conciliação. Vamos ultrapassar a linguagem que temos como externa ao Paganismo e vamos ler a realidade como ela é. É Inverno. O frio chegou com toda a sua glória. As crianças resguardam-se mais e passam mais tempo dentro de portas. Isso significa que a casa vai abrigar a família inteira durante longos períodos de tempo. Conciliação é a palavra de ordem que vai permitir a família chegar à primavera inteira. Conciliação e cedência, já agora. Mas, divago. Consoada é a antecâmara para a festividade generalizada da família. Eu organizo-a ou frequento-a todos os anos com a minha família, seja do meu lado, seja do lado dele. E não me sinto minimamente em conflito com as minhas celebrações de Solstício. Adoro a minha família. Se há um dia em que todos se sintonizam a essa ideia de reunião e encontro, eu vou aproveitá-la. E quero que a  minha filha a viva também. São boas memórias e alicerçam as nossas relações de uma forma que ultrapassa as barreiras eventuais de ideologia, politica e religião. E essa é a mensagem que eu professo nesta altura do ano para mim e para a minha família.

Balanço da experiência

Como pagã, procuro ter em casa elementos com os quais identifico a minha ideia de celebração de Inverno e que se associam ao Inverno no geral e à energia da época no particular. Este ano, a casa foi povoada de barretes quentinhos, estrelas douradas, os sinos e sininhos, as corujas em raminhos (este ano isto aconteceu), luzinhas à volta do careto, velas e um homem de gengibre.
No Solstício brindei à noite mais longa do ano e celebrei-a num jantar com amigos da arte.
Na noite de 24 de Dezembro saudei a família presente e a antepassada e acolhi-os numa noite quente e feliz com as pessoas que amo.

Não tive que mudar nada à minha volta. Apenas de seleccionar o que quero que faça parte da minha experiência. Ou interpretar os elementos que me rodeia num sentido que me seja mais rico e familiar às minhas práticas e crenças. Acredito que este não tem de ser um tempo de antagonismo ou luta. É a estação do frio. Sobrevivemos se nos mantermos unidos. Assim a natureza o espelha.

Este primeiro Inverno foi esgotante porque fomos os anfitriões. Mas foi uma experiência única e maravilhosa com todos e todas à mesa, no sofá, pelo chão, e dentro das caixas vazias (estou a ver-vos, gataria).

Foi importante para nós marcar este momento. Foi importante para nós receber a nossa família com a nossa filha. É importante para nós, manter as tradições que nos aproximam das pessoas que amamos.

E como pagã, carregar a minha casa com estas memórias e com esta energia é uma experiência poderosa e sagrada.

Mais informação sobre:

Yule

Saturnália

Befana

Árvore de Natal

Tradições Pagãs no Natal
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Ok, temos tudo?

Mala da menina? Fraldas e toalhitas?
Os gatos?
Os livros?
Levamos o vinho?
O pão e as azeitonas?
Presunto?
A menina já dorme?
Trouxemos a garrafa de água?
Liga para o meu telemóvel, por favor...
Os óculo, as pastilhas e a carteira estão na mala...

Pronto.

...trancámos a porta de casa?...


7 meses de diálogos de saída. 7 meses a subir e descer escadas. 7 meses de existência em modo reboque. E que bela e abençoada existência esta.

A nossa casa tem dois gatos, uma bebé, um manjerico, um ateu e uma pagã. E correntes de ar.

Temos um altar no corredor e vários instrumentos musicais espalhados pela casa. E livros. Muitos livros.

Nesta casa, fala-se de história da religião e politica, de bons e maus escritores, de música ouvida e cantarolada e de usos de bacon na cozinha.

Compete-se pelas parecenças da  menina, grita-se com os gatos que saltam para cima da  mobília e fazem-se sestas sempre que possível.

O dia do Senhor é o dia de Beatles. Os dias da Senhora são todos os outros.

E entre a ausência de Deus e o reconhecimento de todos os Deuses, fazem-se libações e brindes ao alto, para quem cremos e temos connosco.







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